De probição da ‘cura gay’ a exorcismo: como diferentes países veem a terapia de reversão sexual

Países avaliam a reversão sexual de forma diferente.

(Foto:Reprodução/Internet)

A aprovação de uma liminar autorizando psicólogos brasileiros a oferecerem a seus pacientes formas de terapia de reversão sexual provocou fortes reações de diferentes segmentos da sociedade durante esta semana no Brasil.

Artistas como Anitta, Daniela Mercury e Ivete Sangalo participaram de uma campanha nas redes sociais contrária à decisão com as hashtags #TrateSeuPreconceito e #HomofobiaNãoÉDoença.

Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter retirado a homossexualidade da lista internacional de doenças há quase 30 anos, há uma enorme diversidade na forma como diferentes países lidam com a questão. Veja alguns deles:

Brasil

O Conselho Federal de Psicologia do Brasil proíbe terapias de reversão sexual desde 1999 e profissionais que desobedecerem a regra podem ter seu registro cassado.

Esta semana, porém, a decisão do juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho abriu uma interpretação diferente para a norma do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

A justificativa, segundo o juiz, seria a de não impedir os profissionais “de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia”.

A liminar atende parcialmente uma ação movida contra o CFP por Rozangela Alves Justino, psicóloga que teve seu registro profissional cassado em 2009 por oferecer “terapias para curar a homossexualidade masculina e feminina”. Justino pedia a suspensão das regras do órgão.

Estados Unidos

Cada Estado americano tem suas regras sobre tratamentos de reversão sexual. Muitos deles proíbem a prática em menores de idade.

A Associação Psiquiátrica Americana se opõe a qualquer “tratamento psiquiátrico, como a terapia de conversão baseada no pressuposto de que a homossexualidade seja um transtorno mental ou de que um paciente deveria mudar sua orientação sexual”.

Reino Unido

Apesar de várias instituições terem assinado um acordo descrevendo o tratamento como “potencialmente prejudicial e antiético”, inclusive o NHS (SUS britânico), a terapia de reversão sexual é legal no Reino Unido.

Em 2015, o parlamentar conservador Mike Freer advogou pela criação de uma lei para regular “terapias de cura gay” no país. Segundo ele, o governo deveria fazer mais para garantir que essas terapias não sejam realizadas no país. “Continua sendo possível no Reino Unido ir a um profissional do NHS para ser indicado a um psicoterapeuta que faça a chamada ‘cura gay'”, disse ele durante um debate no Parlamento em Londres.

Um estudo realizado em 2015 pelo instituto de pesquisa YouGov a pedido da ONG LGBT Stonewall apontou que 10% das equipes britânicas que trabalham com saúde e bem-estar social testemunharam colegas dizendo que gays, lésbicas e bissexuais podem ser “curados”, um número que chega a 22% considerando apenas Londres.

Em 2009, uma outra pesquisa apontou que 200 profissionais de saúde mental ofereceram algum tipo de terapia de conversão a pacientes, sendo que 40% deles foram tratados dentro do próprio NHS.

Louise* disse ao programa Newsbeat da BBC que foi coagida a um tratamento de cura gay em 2007 na igreja evangélica que frequenta, na região de West Yorkshire.

“Eu fui chantageada para concordar a ir a um acompanhamento psicológico ligado à igreja. Eu fui obrigada a aceitar que todo o conteúdo dessas sessões seria compartilhado com os anciões [da igreja] para que eles pudessem medir meu progresso”, contou.

“Eu fui submetida a uma prática de exorcismo. Não exatamente como no filme de terror O Exorcista. Mas tinha pessoas da igreja rezando, erguendo as mãos e falando línguas durante horas. Eu lembro de dormir no meio, de tão longo que era.”

Malta

Em dezembro de 2016, Malta se tornou o primeiro país europeu a proibir a terapia de reversão sexual. A nova lei determina que quem tentar “mudar, reprimir ou eliminar a orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero de alguém” será multado ou até mesmo preso. A multa pode chegar a 10 mil euros (R$ 37 mil) e a sentença de prisão a até um ano.

Rússia

Similarmente ao Brasil e outros países, a Rússia tirou a homossexualidade de sua lista de doenças psiquiátricas em 1999, nove anos após a OMS fazer o mesmo. Até hoje, a homossexualidade não é considerada uma desordem mental na Rússia, mas a homofobia é comum no país, que acabou de aprovar uma lei que proíbe a “propaganda gay”. Falar sobre homossexualidade com crianças é crime no país desde 2013.

Apesar de homossexualidade não ser oficialmente considerada uma doença, profissionais de saúde oferecem a chamada “cura gay” na Rússia. O psicoterapeuta Yan Goland, por exemplo, disse ter “curado” 78 homossexuais e 8 pessoas trans usando um método desenvolvido na União Soviética por seu mentor, Nikolai Ivanov.

© BBC Policiais observam parada gay em São Petesburgo este ano Foto: Reuters

Ele disse à BBC que o tratamento dura entre 8 e 18 meses para homossexuais e pode ser mais longo para trans. No primeiro estágio, ele “destrói” a atração da pessoa por indivíduos do mesmo sexo através de hipnose, cuja sessão pode durar até 8 horas.

No segundo estágio, ele força atração a pessoas de sexo oposto. “Eu digo a eles: ‘quando você sair da sessão, caminhe pela rua e olhe todas as mulheres jovens que passarem por você, mostre interesse em seus corpos e selecione as melhores'”. O terceiro passo é o ato sexual com pessoas do sexo oposto.

Aos 80 anos de idade, Goland diz continuar tratando pessoas.

E, assim como caso de Louise na Grã-Bretanha, a BBC também colheu relatos na Rússia de pessoas submetidas a “tratamentos” em igreja.

Maria*, de 27 anos, disse ter sido levada contra sua vontade à igreja por sua família para “tratar” sua homossexualidade aos 13 anos de idade. “Eles me cobriram de água santa e me forçaram a bebê-la. Às vezes me batiam com cajados. Sinto como se tivessem quebrado minha mente”, disse ela à BBC.

Uganda

Em 2014, o governo da Uganda tentou aprovar uma lei chamada “Ato Anti-Homossexualidade”, que punia a homossexualidade com a pena de morte. Mais tarde, a lei foi definida como inconstitucional pela Justiça do país. Mas a lei ajudou a fomentar a perseguição a homossexuais.

A ONG SMUG, de Uganda, publicou um estudo apontando que a perseguição com base em orientação sexual aumentou nos últimos anos após a criação da lei e jornais publicaram uma lista dos “top 200 homossexuais” do país. Este ano, ativistas LGBT tentaram organizar uma parada gay e foram impedidos pela polícia.

O país é destaque no documentário The World’s Worst Place To Be Gay? (“O Pior País Para Ser Gay?”) da BBC. No programa, o dj Scott Mills se submete a uma cerimônia pagã de cura gay na qual ele foi surrado com uma galinha viva e banhado de água aquecida por uma tocha de fogo.

Malásia

O governo da Malásia fez uma campanha a favor da terapia de conversão sexual depois que autoridades federais disseram que a orientação sexual de alguém pode ser transformada através de um “treinamento intensivo”.

O país também ofereceu um prêmio de de até US$ 1 mil dólares para o melhor vídeo de “prevenção à homossexualidade” em uma competição juvenil de vídeos de educação sexual. A categoria de “prevenção à homossexualidade” foi substituída por “desordem de identidade de gênero” depois de protestos de ativistas LGBT.

Os direitos LGBT não são reconhecidos na Malásia, onde a “sodomia” continua sendo vista como crime segundo as leis coloniais do Império Britânico.

China

A China deixou de considerar a homossexualidade uma doença mental em 2001, mas grupos de defesa LGBT afirmam que milhões de homossexuais casam com pessoas do sexo oposto devido à pressão das famílias.

Este ano, porém, um homem gay ganhou uma compensação de um hospital psiquiátrico por ter sido submetido à força a uma terapia de conversão sexual.

O homem, identificado como Yu, foi levado à força por sua mulher e familiares a um hospital no centro da China, na cidade de Zhumadian, em 2015. Lá, ele foi obrigado a tomar medicamentos e injeções por 19 dias.

A Justiça chinesa entendeu que forçá-lo a uma instituição mental sem ele oferecer perigo à sociedade infringia seus direitos.

O hospital que o diagnosticou com “desordem de preferência sexual” teve que se desculpar em público através de uma nota no jornal e pagar uma multa de U$ 735.

Irã

O Irã é um entre os cerca de 10 países nos quais a homossexualidade pode ser punida com a pena de morte. Líderes religiosos, no entanto, aceitam a ideia de que uma pessoa pode estar “presa” em um corpo do sexo oposto. Portanto, homossexuais podem ser forçados e passar por uma cirurgia de redesignação sexual – e muitos fogem do país por isso.

© BBC Donya conseguiu asilo no Canadá depois de ser pressionada a fazer cirurgia de redesignação de gênero no Irã por ser lésbica Foto: BBC

Ao crescer, Donya* tinha o cabelo curto e usava boné em vez de véu. Ela disse à BBC que, se policiais pedissem sua identidade e percebessem que ela era uma menina, poderiam repreendê-la. “Por que você é assim? Vá mudar seu gênero”, lembra.

“Era tamanha pressão que eu queria mudar meu gênero o mais rápido possível”. Ela passou 7 anos em tratamento hormonal, começou a ter pelos faciais e sua voz ficou mais grave.

Quando os médicos sugeriram a cirurgia de transgenitalização, ela decidiu fugir para a Turquia e depois para o Canadá, onde conseguiu asilo.

/Via BBC

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