Um camelô estrategicamente posicionado na saída da Estação Uruguaiana do Metrô carioca, no Centro do Rio, oferece um iPhone 6 de 16 GB por cerca de R$ 2 mil – preço mais de R$ 1 mil abaixo do praticado nas lojas da Apple. O vendedor diz que não tem nota fiscal do aparelho, mas garante que o produto não é roubado. “Vem direto da fábrica, por isso é mais em conta”, explica, sem muita convicção. Ali, o comércio de aparelhos – muitos novos, com suas caixas, expostos em banquinhas – é corriqueiro. Nem a Polícia, nem a Guarda Municipal perturbam os vendedores.
Na quarta-feira (18), uma carga avaliada em US$ 1 milhão (U$3,4 milhões) de aparelhos Galaxy S9 da Samsung, que só ontem seriam oficialmente lançados no Brasil, já eram oferecidos em redes sociais por R$ 3 mil. É bem menos que os R$ 4,5 mil do preço sugerido pelo fabricante. Segundo o Sindicato de Empresas de Transporte Rodoviário e Logística do Rio (Sindicarga), boa parte dos aparelhos oferecidos em camelôs e online é, na verdade, fruto de roubos de carregamentos de celulares.
Somente nas últimas duas semanas, a Polícia Civil registrou pelo menos dois grandes roubos de celular no Rio, cujo valor total soma R$ 6 milhões. O último caso foi no domingo (15)quando criminosos invadiram o terminal de carga do Aeroporto Internacional do Galeão e levaram R$ 3,4 milhões em aparelhos do novíssimo Samsung S9. A Polícia ouviu na quinta-feira, 19, o depoimento de funcionários do terminal.
Na quarta-feira anterior, uma carga de iPhones havia sido roubada na zona norte, nas proximidades do aeroporto, num valor de R$ 2,4 milhões. Ambas foram levadas para a favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, a menos de cinco quilômetros do aeroporto, como mostraram rastreadores dos próprios aparelhos. Embora a Polícia soubesse para onde as cargas tinham sido levadas, nada foi feito.
“Em pouco mais de uma semana, foram mais de R$ 5 milhões em celulares roubados levados para dentro da Maré pelos bandidos”, constatou o diretor de segurança do Sindicarga, o coronel da reserva Venâncio Moura. “Os aparelhos já estão sendo oferecidos online e a gente não vê uma ação efetiva.”
Segundo o coronel, a polícia não entrou na favela porque não tinha homens nem material adequado para fazê-lo.
Procurada pelo Estado, a Polícia Civil não quis se pronunciar sobre o caso. Especialista em segurança pública e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Paulo Storani explicou que a Polícia, de fato, não tem como entrar numa comunidade violenta para tentar recuperar uma carga roubada, mesmo sabendo onde ela está.
“A sociedade precisa entender que não existe má-vontade do comandante do batalhão da área ou do policial”, sustenta Sartori. “Para agir, para entrar numa favela e enfrentar criminosos armados, a polícia precisa considerar alguns fatores, como a segurança dos moradores – os horários em que as pessoas estão saindo ou voltando do trabalho, os horários de entrada e saída das escolas – e também dos próprios policiais. Para entrar numa comunidade dominada, a Polícia precisa de blindados, que estão parados por falta de manutenção. Então, entre ser considerado inepto ou assassino, o comandante vai preferir ser inepto, é uma escolha.”
A tendência a médio prazo, diz Storani, é o colapso do sistema. De fato, números divulgados esta semana pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, mesmo com a intervenção federal na segurança em curso, o mês de março registrou o maior número de roubos de carga de toda a série histórica, iniciada em 1991, um total de 917.
Considerando todo o primeiro trimestre deste ano, foram 2.636 roubos de carga no Rio – cerca de 30 por dia. Isso ocorre, segundo Storani, pela redução de efetivo da Polícia Militar e a consequente queda na ações de prevenção. Além da questão geográfica: as principais vias de acesso e saída do Rio passam no meio de diversas comunidades.
Desde 2014, explica ainda o coronel Venâncio Moura, os traficantes resolveram diversificar e passaram a roubar cargas.
“As cargas mais visadas são as de gêneros alimentícios”, explicou Moura. “Depois vêm bebida, celular e cigarro.” Segundo ele, uma parte grande dessa mercadoria roubada é vendida dentro da própria favela e, outra, no mercado informal. “Mas a verdade é que não tem muita lógica. “Esses caras são os piratas do século XXI, eles vão pro asfalto e roubam o que passar. Outro dia, levaram um carregamento de caixões, esta semana teve um caminhão de gelo.” Com informações do Estadão.
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