Na primeira declaração como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), André Mendonça afirmou nesta quinta-feira (16) que pretende ajudar a “consolidar a democracia” e fez gestos à imprensa.
“Primeiro compromisso que eu queria dizer a todos, [é] reiterar na verdade [o compromisso] com a democracia, com os valores da nossa Constituição e em especial com a Justiça”, disse a jornalistas logo após a cerimônia de posse na corte.
O ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro afirmou também que a imprensa pode contar sempre com seu respeito e admiração.
“Meu reconhecimento da importância da imprensa nesse processo, vocês são fundamentais para a construção do nosso país e da nossa democracia”, disse.
Os acenos de Mendonça destoam da postura habitual do presidente Jair Bolsonaro (PL), que faz repetidos ataques à imprensa, é defensor do período da ditadura militar no Brasil e já fez ameaças de atuar fora da Constituição.
Definido pelo presidente da República como “terrivelmente evangélico”, Mendonça foi o segundo indicado de Jair Bolsonaro a assumir um assento no principal tribunal do país, o primeiro foi Kassio Nunes Marques.
Em uma cerimônia que contou com a presença do chefe do Executivo e dos presidentes dos demais Poderes, Mendonça fez o juramento de cumprir a Constituição e não discursou na posse, ele se manifestou apenas depois.
Em uma breve fala, o presidente do STF, Luiz Fux, leu o currículo de André Mendonça e deu as boas-vindas ao novo ministro. Além disso, agradeceu pela presença do chefe do Executivo e das demais autoridades presentes.
Fux também fez menção ao bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus do Brás, que estava na plateia. Ele celebraria o culto em homenagem a Mendonça, na Catedral da Baleia, no final da tarde. Colegas de corte de André e Bolsonaro também participarão da cerimônia.
Mendonça disse aos jornalistas que terá agora um período de recesso e que, no início de 2022, começará a estudar os processos em curso no STF, sem citar nenhum caso específico.
“Vou me preparar para o ano que vem poder contribuir de modo mais direto nos julgamentos do Supremo. O meu muito obrigado a todos e que Deus nos abençoe”, afirmou, sem aceitar que fizessem perguntas.
Jair Bolsonaro já chegou a dizer que, com Mendonça, teria 20% dele na corte. Depois, em outro momento, afirmou saber que o novo ministro votará no STF a favor do marco temporal para terras indígenas.
“Já sabemos que o André vai ser um voto para o nosso lado. Isso não é tráfico de influência, é que nós sabemos, dado o comportamento dele”, completou o presidente, na entrevista. Segundo Bolsonaro, sobre “pautas conservadores” ele nem precisa conversar com o ex-auxiliar.
Como não apresentou o cartão de vacinação, o presidente teve de fazer teste de Covid-19 para poder entrar na corte nesta quinta-feira. Durante toda a cerimônia, usou máscara, assim como todos os demais presentes.
Como Gilmar Mendes, o decano da corte, não estava presente, coube a Ricardo Lewandowski, segundo mais antigo, e a Kassio Nunes Marques, o mais novo integrante do tribunal, acompanharem Mendonça até a assinatura do termo de posse.
Além de Gilmar, a ministra Cármen Lúcia também não esteve na cerimônia.
A posse ocorre num momento de tensão entre o presidente e o STF, em especial com o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos que têm Bolsonaro e seus aliados como alvo.
Na semana passada, o presidente voltou a subir o tom contra Moraes, cuja atuação Bolsonaro classificou como “abuso”. Ele também criticou prisões contra seus aliados.
O ministro determinou a abertura de uma nova investigação para apurar a conduta do chefe do Executivo por ter feito uma falsa relação, durante uma live, entre a Aids e a vacinação contra a Covid-19.
“Isso é uma violência praticada por um ministro do Supremo que agora abriu mais um inquérito em função de uma live que eu fiz há poucos meses. É um abuso”, disse o presidente, sem citar o nome de Moraes, ao fazer referência à ordem de prisão do aliado caminhoneiro conhecido como Zé Trovão.
Momentos antes da posse de Mendonça, Moraes negou recurso e manteve prisão de Roberto Jefferson, presidente do PTB e aliado de Bolsonaro.
O escolhido de Bolsonaro assumirá a vaga deixada em julho por Marco Aurélio, que se aposentou porque atingiu os 75 anos, idade limite para integrar o STF.
Mendonça, porém, enfrentou diversas resistências no Senado Federal e sua sabatina ficou travada por mais de quatro meses na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Ao final, no entanto, teve o nome aprovado por 47 a 32, registrando a maior quantidade de votos contrários dentre os atuais magistrados do Supremo.
As dificuldades ocorreram, principalmente, por dois motivos. Primeiro, por ter fama de ser um defensor dos métodos da operação Lava Jato, o que é alvo de críticas da classe política.
Segundo, porque foi indicado por Bolsonaro para cumprir com a promessa de que indicaria para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”, como forma de fazer um aceno a fiéis desta religião e a pastores como Silas Malafaia.
Ele é pastor na Igreja Presbiteriana Esperança, na capital federal.
Além disso, outros nomes mais próximos do Congresso, como o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, também estavam no páreo e trabalharam para enfraquecê-lo.
Mendonça é pós-graduado em direito pela UnB (Universidade de Brasília) e tem doutorado em Estado de direito e governança global e mestre em estratégias anticorrupção e políticas de integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha.
Nascido em Santos (SP), Mendonça integra a AGU desde 2000, quando encerrou sua atividade como advogado concursado da Petrobras (1997-2000). No governo Michel Temer (MDB), foi corregedor na gestão de Fabio Medina Osório como advogado-geral.
Em outubro de 2002, publicou no jornal Folha de Londrina um artigo otimista sobre a eleição de Lula.
No texto, intitulado “O povo se dá uma oportunidade”, Mendonça afirma que “o Brasil cresceu e seu povo amadureceu, restando consolidada a democracia não só porque o novo presidente foi eleito pelo povo, mas porque saiu do próprio povo”.
Conheceu Bolsonaro em 21 de novembro de 2018, no mesmo dia em que foi escolhido para comandar a AGU. A conversa, no gabinete da transição no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Brasília, durou cerca de 40 minutos.
No governo Bolsonaro desde o primeiro dia, Mendonça apadrinhou a indicação de Milton Ribeiro, também pastor presbiteriano, para chefiar o Ministério da Educação.
Em abril de 2020, Mendonça deixou o comando da Advocacia-Geral da União para assumir o Ministério da Justiça após a saída do ex-juiz Sergio Moro.
À frente da pasta, foi alvo de críticas por ter pedido a abertura de inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Depois, em uma nova reforma ministerial, Mendonça retornou à AGU, onde ficou até ser indicado ao STF.
/Via Folha de São Paulo
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